Intertextualidade
Sobre o fenômeno da produção literária nos finais do século XX e início
deste século, em suas transformações e paradigmas, a reflexão da crítica Leyla
Perrone-Moysés, no ensaio “Metaficção e intertextualidade”, oferece
interessante percurso para compreender a manifestação estética na cultura
contemporânea e a reciclagem conceitual que impacta a literatura.
A literatura autorreflexiva e especialmente o conceito de metaliteratura –
que surgiu no final do século XX – tratam de uma língua que fala de outra
língua. Para a teórica canadense Linda Hutcheon, aplica-se às produções que
tecem comentários sobre “sua própria narrativa e/ou sobre sua identidade
linguística”.
Na reflexão de Perrone-Moisés, ainda que esteja presente ao longo da
produção literária desde Cervantes, a intertextualidade manifesta-se com mais
vigor a partir do final do século XX, o que coincide com uma renovada crise do
sujeito. Ou seja, o real deixa de ser a referência essencial para dar lugar a uma
produção que toma a própria literatura como objeto de leitura de mundo. Isso
se dá, agora, por um viés que tem a memória e seus modos sincrônicos de
apreensão como orientação.
O escritor catalão Enrique Vila-Matas é o exemplo eleito pela crítica para
analisar a metaliteratura na apropriação que ela faz, na atualidade, da
produção literária anterior. A abundância de referências ao passado tem como
ponto de partida o estatuto de leitor. Entre os inúmeros títulos do autor,
Bartleby e companhia é emblemático, segundo Perrone-Moisés. Ao misturar
ensaio e ficção, tomando a ilustre personagem de Melville e sua fórmula
“preferiria não”, Vila-Matas apresenta extenso cortejo de autores, reais e
fictícios, em seus questionamentos sobre o fazer literário e, tanta vez, da
impossibilidade que o acompanha.
“Já que todas as ilusões de uma totalidade representável estão perdidas,
é preciso reinventar nossos próprios modos de representação”, argumenta Vila
Matas, em citação mobilizada pela crítica. Da epifania à afonia, Vila-Matas
aponta o que nomeia decadência no entendimento da literatura. No entanto,
sua crítica é bem-humorada e não assinala o fim da literatura ou dos leitores.
No ensaio, a autora chama a atenção para a estratégia recente da
presença de autores, com o nome próprio, em obras ficcionais. Segundo, a ela
capacidade de “autoderivação” da literatura, no revirar continuado de autores,
obras ou autorreferências permitiria sua constante reinvenção e vida longa.
Referências
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Metaficção e intertextualidade. In: PERRONE-MOISÉS,
Leyla. Mutações da literatura no século XXI. São Paulo: Companhia das Letras,
2016. p. 113-124.
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